quinta-feira, 25 de março de 2010

voa, voa.


Malas feitas;
Bolha tecida.
Voarei.
Voas comigo?

Esperar-te-ei.

sexta-feira, 19 de março de 2010

esfuma-te


fotografia: FingerTiips
em olhares.aeiou.pt/fingertiips


Eu nasci nalgum lugar onde se escuta o rio batendo contra o cais.

O sol recua na minha linha de horizonte, lenta e dolorosamente.
Como um rio que volta à nascente.


Esfuma-se o fumo perante tal gigante. Ele brilha.
O Sol rasga-me o céu, e o teu fumo.
Esfumas-te.
Foges.
Tentas fugir.
Mas o Sol tece-te o caminho.
Corres?
Não entendes?

Da minha janela vejo o Sol.
Vejo-te também, imperado e manipulado na urgência de fugir dele.
Na viagem contra o tempo,
no barco a favor de temporais.
Ainda corres?

Vejo a tua expressão, triste,
porque o rio na tempestade te levou ao mar
onde perdeste o pé da alma.
Onde gemes como o rio que bate contra o cais ausente.
Onde expressas a dor de leito de regresso à nascente.

Mas vejo o Sol da minha janela.
Vejo o Sol a acabar a sua rotina diurna,
e vejo-te mais uma vez fugindo dele
como fumo a favor do vento.
Não entendes?

Não corras, não fujas, não te esfumes;
Não te leves pelo vento nem por tempestades;
Minha fatalidade, do Sol respiras,
corre. Acabarás nele,
porque dele começaste.

quarta-feira, 17 de março de 2010

ó nuvem...




Vou fingir esquecer-me de tudo o que me lembro.
Talvez assim não entendas tudo o que enubla a minha visão.
Talvez assim não entendas os labirintos de que sou assombrada.
Talvez assim não entendas...

domingo, 14 de março de 2010

talvez um dia me encontre.


Sigo pela estrada. Sem passos compassados de forma rápida. Não. Calmamente.
"Foi sem mais nem menos
Que me deu para abalar sem destino nenhum"
Fujo do nada. Apenas por prazer. Vejo mundos passar, aprecio-os. Sorrio com a ironia da vida. Deleito-me com a minha paisagem: as árvores dançantes ao sabor do vento; as nuvens observadoras, desenhando o que vai dentro de mim, numa metamorfose contínua; o piso verde contrastante com a estrada alcatroada; o pássaro chilreante, que me chama pela planície dentro. E eu sigo o seu chamamento.
"Viva o espaço que me fica pela frente e não me deixa recuar
Sem paredes, sem ter portas nem janelas
Nem muros para derrubar"
Sinto a energia da Terra que me sobe até à coroa. Não sei para onde vou. Mas pelo menos vou.
Movimento cego em que tenho os olhos mais abertos do que alguma vez os tive. Jornada dormente na qual tenho os sentidos mais alerta, como nunca antes tivera.
Um cheiro novo que me invade.
"Curiosamente dou por mim pensando onde isto me vai levar
De uma forma ou de outra há-de haver uma hora de vontade de parar
Só que à frente o bailado do calor vai-me arrastando para o vazio
E com o ar na cara, vou sentindo desafios que nunca ninguém sentiu"
Não sei para onde vou nem para o que vou.
Mas esta é a parte boa da vida.


"Talvez um dia me encontre.
Assim talvez me encontre"
(125 Azul - Trovante)

sábado, 13 de março de 2010

avô


Nasci num cais.
Num cais longo e velho, imperfeito e frágil.
Nasci num cais, vivi de pesca. Vivi a pesca.
Nasci num cais sobre águas tumultuosas, águas de penumbra, águas medonhas e com toda a força da natureza.
Nasci num cais que me ensinou a ir pela maré e nunca contra ela.

Esse cais
mostrou-me as coisas mais belas da natureza,
mostrou-me o sentido mais controverso da vida,
mostrou-me que não vale a pena remar contra a maré.
Pois mesmo que reme,
o meu cais tem postes fixos em lodo,
postes fixos onde nada é fixo, mas que fixos estão.

Esse cais
ensinou-me que todos nós nascemos nesse lodo
estagnado,
que os dormentes lá fazem a sua cama,
e que a luz pode transformar o mais dormente
numa bela flor de lótus.

Nasci num cais
que é meu pai,
minha sabedoria,
meu interesse,
meu amor pela vida.

sexta-feira, 12 de março de 2010

chuva


"Agora
que a chuva cai devagar
Lá fora
E a noite vem devorar
O sol
E tudo fica em silêncio
Na rua,
E ao fundo
Ouve-se o mar"


Gotas atingem o meu corpo engrupado. Imagino que a minha imagem, ao longe, sem divergência de cores, seja semelhante a uma bola em perfeito equilíbrio com a superfície onde se encontra. Percebo e aceito que o sentido empírico muitas vezes controle os ideais de personagens. Mas o que eles não captam é toda esta falta de equilíbrio, todo este colapso em choques arritmados que se encontra no centro do meu ser.

Gotas caem, e eu incomodo-me com a imagem de serenidade equilibrada que possa estar a transparecer. Levanto-me. E sinto as gotas bater-me, como crianças ao conhecimento do som de cada tecla do piano. Da mais grave, à mais aguda.


E a chuva cai.
E eu sou seu amparo.


E a chuva cai.
E eu sou o pior amparo que alguém poderia arranjar por hoje.


Olho para cima, em movimento vertiginoso, e vejo-as. Tantas. Atingem-me os olhos, a boca, o nariz, seguindo, maquinalmente, a sua corrida em direcção ao equilíbrio com o seu cenário.
Tudo corre em direcção do equilíbrio.
Nunca ninguém me ensinou a fazê-lo.
Abro os meus braços, pesados já pela camisola encharcada, e distanciando-os do tronco, com as palmas das mãos direccionadas aos céus. À chuva.
A sensação vertiginosa transformou-se, sendo o resultado desta metamorfose um alegre formigueiro, um cheiro a algo único, a cor de tesouro descoberto e um doce sorriso fechado. Fecho os olhos. Sinto as folhas da minha árvore voarem. Sinto um abrigo que me protege. À chuva. E a minha tristeza passa a ser camuflada; o meu colapso acabou submerso, causando apenas o tsunami pelo qual já tinha sido interpelada.
E ao fundo, ouço o mar que me deu à costa.



"Agora
Que a água inunda os teus olhos
E o mundo
Já não te deixa parar
No escuro
Voltam histórias perdidas
Na alma
Onde não podes tocar
E ao fundo
Ouve-se o mar"
(Ouve-se o mar - Mafalda Veiga)

quarta-feira, 10 de março de 2010

eco de silêncio




Sou como folha

que cai e renasce.

Silenciosa,

Prudente.





Não sabes de mim.
Não conheces o pó
dos meus degraus;
Não conheces as cores
com que vejo.

E é por isto que não conheces a pressão das tuas palavras.
E esqueces-te
Que eu sei voar.

Voo como folha
Caio do cume da árvore
que me empurra.
Sem medo,
sem prudência,
mas em silêncio.

Grito debaixo do tapete,
palavras de uma cor que não vês.
Assim, sou vazio;
assim, apenas irás ouvir
o meu eco, no silêncio.

Acompanhar-te-à sempre,
Essa dormência que incomoda
Gritará palavras que não ouves
De cores invisíveis...
O eco de silêncio.