segunda-feira, 10 de junho de 2013

caos

Eu amo o teu caos.

Um dia, pensei que o vácuo nunca pudesse preencher alguém. No entanto, teu sombrio e solitário inverno que me fascinou, me empurrou, me enganou, é aquele que me abraça agora, quente, acolhedor, dócil.
E o inverno que me és, atrai porque sou confusa, sou triste. Porque ninguém entendeu o sorriso rasgado no qual a solidão me afogava, a não ser... tu.

E hoje, escrever deixou de ser um acto nocturno, compassado por respiração dolorosa. Hoje, escrevo deitada no teu chão, e o meu relógio não tem mais horas escuras. Hoje, os meus dias não possuem mais espirais vertiginosas ao aproximar-se a noite. Hoje, não és mais a única palavra que encontrava para te nomear: medo.

Por isso, eu paro agora.

Porque hoje a minha casa não tem salas vazias. Tudo é alegria, tudo é amor, tudo és Tu.

O teu caos é uma benção. 
Abraça-me, e... fiquemos neste novo infinito. 
Sempre.
"Amo-te pelas tuas faltas.
Pelo teu corpo marcado.
Eu amo as tuas mãos, mesmo que por causa delas eu não saiba o que fazer com as minhas.
Eu amo-te de alma para alma, quando o próprio amor vacila."
Fernando Pessoa


sábado, 6 de abril de 2013


"O Imprevisto
acontece
e alguém
te encontra,
te reinventa
te reencanta...
te recomeça."

sexta-feira, 8 de março de 2013

-te e não -te.

Enquanto -te faço
crescer,
Uma brisa procura
o meu encontro:
Traz o teu cheiro.
Há uma janela aberta,
há luz lá fora.
Estas tu
cá dentro
e eu oculto -me no
desejo
que se torna tão negro
numa sela onde a luz
-te afoga.
"É bom demais":
engole -me
o pensamento.
Oculto -te, -me.
Não posso,
não -te transbordo
nem -te dou a entender,
de modo a que não
saibas quem -me és.
"Não quero que certas situações
sejam mal entendidas"
Afoga -te a luz
Engole -me o escuro
quando penso
o que era
se fosse(-)mos.

Não -te vás.

quinta-feira, 7 de março de 2013

adeus

Pára de gritar a palavra "adeus" ao vento, à espera que ela seja projectada contra o meu peito.
Se queres dizer adeus, projecta-a no meu rosto.
Adeus.

quarta-feira, 6 de março de 2013

relatório de breu.



Talvez seja hoje o último dia em que, do cimo da tua escada, me vejas passar.
Os meus braços fraquejaram quando, no meu campo de visão, me encara novamente: uma estrada que se levanta sempre que desespero percorrer algo sem ti. 
Os negros corvos visitam a carpete do meu quarto, outra vez. A insónia insiste em não deixar arrefecer o lado frio da cama. Oferece-me, sorrindo, um enorme sentimento que transborda vazio... vazio, igual a tua liberdade idiota que nunca serviu senão para me acabar, aos poucos. Talvez seja esse o nosso problema: a minha vida em contraste com a tua experiência-mais-ou-menos, que dos teus lábios é cantada como como “aproveitar a vida sem amarras: a nada, a ninguém!”
A insónia embala-me num certo fascínio indescritível em procurar palavras que não existem para encontrar descrita a textura de uma página virgem. As minhas mãos tremem, não sei se de frio ou saudade.
O ranger da ferrugem que veste estes velhos portões sempre foi um pedido de socorro aos meus tímpanos nos assombros que o silêncio se nega a me poupar. No meu coração, tudo é guerra, tudo é perda. As folhas secas que se libertavam das árvores foram corrompidas pela necrose acumulada nos cantos dos seus muros. O medo maior, acima dos corvos que ocupam a carpete e a insónia que me abraça, carinhosamente, sob os lençóis, sem dúvida, é perder o pouco de amor que ainda resta às cansadas, árduas e ténues faíscas que acontecem no meu batimento latente. O meu peito dói.
Até o desespero, como tudo na vida, já se esvaiu. Cá estou, ajoelhada nos destroços do meu mundo, e aqueles gritos distantes que eu ouço são os meus. 
E tudo o que me rodeia são armários poeirentos que camuflam as rachas nas paredes da casa espancada pelos tremores que o chão, um dia, deixou escapar.
Nestas noites, costumava ouvir dos esconderijos da lua as mais belas cores que a escuridão permite desfrutar, distantes... ecos gemidos. Hoje ouço soluços de dor que o amor, em mim, nunca ofegou: Hoje foi a última vez em que, do cimo da tua escada, me viste passar.

sábado, 19 de janeiro de 2013

redundância


Porque...
como não conseguimos coexistir no mesmo espaço,
vamos coexistindo no tempo, 
deixando que ele nos vá sendo
enquanto não temos coragem de voltar ao espaço que deixámos entre nós.

Eu não te procuro,
nem mais o que sou
quando te deixo.
Eu não me procuro
nem mais o que és
quando me deixas.

Simplesmente... coexistimos melhor assim:
Sem coexistir!
Aproximamo-nos estando longe,
afastando-nos quando estamos perto,
neste medo do que podemos ser a poucos metros de distância.
Mais vale não ser.
Mais valia que nunca nada tivesse sido.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

dor em letra minúscula.

já passou o Outono, já tornou o frio.

Outono esse, de seu riso magoado
que me oferece um obliquo Sol gelado
o Sol, e as fortes marés que me assombram de frente,
fugindo sob o meu olhar cansado.

para onde vais, meu vão cuidado?
onde vais, coração vazio?

que fiquem, cabelos dele
fiquem comigo, como ele não o fez.

as Águas frias retornam agora a minha dor
sustem-me na respiração
e depois, tudo me levam...

o meu reflexo no areal molhado já não sou eu
mas sim alguém que entretanto, docemente, me quis conhecer
e me ficou sendo,
enquanto desenlaçavas a tua mão da minha.

que vão, cabelos dele
que levem o seu olhar cismado
nas ondas retardadas e longamente onduladas,
leva as suas translúcidas mãos frias,
que o gelo nunca serviu de lareira
para aquecer Corações.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

tu

Vamos lá... o que pensas tu?
Enquanto sussurras e eu grito, enquanto eu escrevo e tu me olhas, enquanto eu fecho os olhos e tu desapareces, enquanto tudo isto ocorre em simultâneo, nós sabemos que a nossa língua-mãe é o silêncio... e melhor que em silêncio não comunicamos nós.
Eu abraço-te, dás-me a mão. Assim caminhamos, em longas e orgulhosas passadas compassadas que estremecem o chão ao embate. Estremece o meu coração e tremem os meus joelhos, fracos e esfolados.
Há sempre paz noutro lugar.
Deixa andar.
Deixa ser.
E afinal, que penso eu?
Parece que o destino nos quebrou.
Se penso que me cultivas, e que por me cultivares eu enraízo em ti. Se eu pensei que era tão bom - o amor dentro de nós era tão bom. No entanto, ao enraizar em ti, compreendo que o silêncio entre nós não é mais que nada. Nada, vazio, cheio, nulo, desprovido, desprovida, eu, tu, sem nós, sem mim, sem ti. Ti.
A nossa língua-mãe não é mais que a ausência de comunicação.
O meu cultivo enraizou-me em alguém que não ficou.
O meu cultivo tornou-me alguém sem ser.

O meu cultivo tornou-me o espelho da pessoa desfasada que TU és, que em pedaços se desmonta e que, em silêncio (TUA língua-mãe), me abandona.

domingo, 18 de novembro de 2012

Como?

Como iremos além da encruzilhada onde os meus olhos, nos teus, se quebraram?
Como sairei dos teus braços, meu amor, quando o que me dás me parece sempre mais? Como largarei a tua mão, cruzada na minha sobre o mesmo cobertor castanho-claro; Como te proibirei de embarcar da minha vida, por medo a ti, amor? Como? Como é que este medo a ti, e a tudo o que implicas, a tudo o que és por de trás dessa parede que é a minha  expectativa, poderá alguma vez ser maior que nós?
Se todo o meu ser ao vento abandono, e sem medo nem nó me destruo em ti; se morremos em tudo o que sentimos, mas essa morte pode ser cantada... É porque estamos nus de alma, embalando a nossa própria dor.
É a esta hora que o frio se abate sobre mim e me faz pensar que a brisa dançante que brinca nos meus cortinados me poderia gelar o coração um pouco mais, me gelar os sentimentos um pouco mais, quando te vejo sair pela minha porta de forma altiva e imparcial. Assim seria, se o tempo para mim não congelasse ele, no momento em que a minha imaginação te toca a sair pela minha porta. E não. Altiva e imparcialmente renego esta hipótese. 
Isto porque... nos teus olhos julgo ver-me na promessa de todos os seres que poderia ter sido, se a vida tivesse sido outra. Isto porque, nos teus olhos toco o medo de me sentir sem forma, vaga e incerta. Isto porque, nos teus olhos quebro todos os meus limites, e tudo se torna, fatalmente, infinito.

Como irei eu além da encruzilhada em que os meus olhos, nos teus, se quebraram?
Eu espero sempre por ti. 
És o espírito que narra cada linha. És a vela que bebe o vento do meu espaço. És o gesto luminoso de dois braços abertos sem conhecer limite.
Em mim, a medida suprema, o canto compassado erguido puro, perfeito e harmonioso no coração dos ritmos secretos. És tu. Tudo. E nada. No vazio de tudo o que transborda, és tu.

"A Terra é, fatalmente, um fantasma
Ela que toda a morte em si embala
(...)
Sei que canto à beira do silêncio
Sei que bailo em redor da minha suspensão"
(Sophia de Mello Breyner)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Como sempre...



Voltei.

Como sempre, volto para te amar.

No fundo, todos sabem que nunca deixei e nunca vou deixar, digo... talvez um dia... talvez um dia, quando eu me cansar das idas e vindas, do nosso quase sempre incompleto amor. Dessa lacuna que abres e insistes não preencher.
Já fui bem longe. No entanto, sempre estive aí, ali, o tempo todo, a observar-te. Nunca consegui ir mais além. Aguentei o teu amor não muito reconfortante. Aguentei o frio sem os teus abraços, os teus sorrisos sem eu ser um dos seus motivos. Nunca fui, porque no fundo eu sabia que se fosse, um dia, iria ser pior. Porque... quem quero eu enganar, afinal? Nós conhecemo-nos... Tu sabes de mim, e eu sei de ti, por mais que tentes esconder.
Como sempre, voltas para me amar.

Na verdade nunca queres ir. Mas insistes em ter outras bocas na tua senão a minha. Insistes em provar que é bem maior que esse amor que aflige o teu coração, os nossos corações. Que é melhor sem mim. E no fundo, consegues ser melhor sem mim... é verdade. Mas do que vale na vida ser tão bom, quando se é vazio?

Eu afirmo tudo isto porque também sou melhor sem ti, talvez até mais feliz, menos preocupada... mas muito mais vazia e perdida.

Como sempre, voltas para me amar.

E voltas porque sabes que eu digo apenas a verdade... sabes que eu digo só o que não queres admitir.

Como sempre, volto para te amar.

Queremos tentar e tentar e mesmo que tudo de novo caia por terra. Peço-te novamente para ires embora (tu, que nunca te despedes)... e tu voltas.

Voltas pequeno, com medo... mas depois cresces e se transformas-te naquele que me acarinha com uma mão e me apedreja com a outra e, por fim, lá vais longe novamente.

Voltas, porque nos tornámos viciados nesse ciclo de idas e vindas, porque somos viciados um no outro.
Estamos sempre indo e vindo, porque tememos um fim. Tememos o medo de um dia acordar e saber que nenhum de nós está ali, e que nunca mais irá voltar. Tememos que o tempo se perca em nós, e de nos perdermos nele. Tememos que as nossas lembranças ganhem mais sentido do que nós próprios. Damos sempre passos atrás na longa caminhada.

Isto tudo porque a pesar de termos embarcado em novos corpos, sempre procurámos a mesma alma. Damos largos passos de retorno porque é... Amor - não um incompleto quase, mas um inteiro.

Voltamos. Voltamos, porque sem um ao outro, não sabemos ir para nenhum lugar. E tu... bem... Tu és quem faz tudo ficar familiarizado. Tu, que fazes tudo voltar ao normal. Sempre voltamos.

Tudo isto porque... no fundo sabemos, que sem estarmos juntos, não sabemos ir a lugar algum.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

abraça-me.





Fotografia de: Tiago Guerreiro

in: http://www.flickr.com/photos/freedomtoclick

Há coisas que tens de saber sobre mim.
Há palavras escondidas em nota de rodapé.
Há sentidos em entrelinhas.
Há entrelinhas nos sentidos.
Há entrelinhas em sentido.

É o meu sentido, são os meus passos, os meus muros. Há segredos por descobrir, há palavras por destapar. Há um medo, um impasse, residente em mim.
Há um sentimento selvagem, dotado de garras, a rasgar tudo o que consigo ser... há um sentimento selvagem que me magoa. Sim... há uma mágoa. Há uma tristeza que é minha sombra, há um tornado que rasga as minhas cicatrizes. Há um pano. Há um pano que acabou de cair.

Há uma dor, há um grito mudo que ganha corpo e me arrepia, ao limite, e que finalmente se solta na minha garganta.
Abraça-me. Uma e outra vez.
Agarra-me.
E não me soltes.

Rodopios de garrafas sopram destas verdades.
Que sentimento é mais perene de toda a expressão dolorosamenre inacabada do verbo mais rasgado e possante do que a complexidade da sua conjugação em alta-voz?
Que branca esta cor, que me desnuda em transparência sempre que mergulho ponteiros e alma nesta mistura fina e primária... Porque o silêncio é a colisão bruta e perfeita entre a noite e o novo oriente, quando nem sei que horas são. E este silêncio entre nós possui tectos de vidro, que se quebram por acordes básicos de uma guitarra...

Um sorriso entardecino no cúmplice olhar dela e poesia ressacada nas adormece nas suas mãos. A esta hora, a janela é inundada por um cheiro a lua. Ele olha e sorri. Primeiro para ela, depois com ela. Porque ele sabe de si como cubinhos de gelo num falso refrigeramento. Porque ela sabe de si como falsos espinhos eriçados.

O escuro engole o mundo lá fora.
Há um pano no chão.
Há máscaras caídas.
Há acordes básicos e macios como música de fundo que me embala, de uma guitarra que chora...
...Abraça-me.

sábado, 2 de junho de 2012




 Fotografia de: Tiago Guerreiro


O dia inicia-me na sua dança, dá-me voltas e baralha-me e eu, como pena solta, soprada sou ao vento daquilo que traz os meus dias. Que me trazes nos meus dias.
Eu gosto de ver civilização...ao longe. Bem longe. Gosto de ser o areal que a reflecte ao final do dia. E por vezes gosto que te sentes aqui comigo. Que grites que sentes aquilo que o meu coração explode em poucos minutos, para tantas palavras. Que grites que aqui, ao longe, a vista é mais bonita, e que o reflexo te embala a adormecer no vazio que é a civilização. Tal traição é a do areal ao mundo, reflectindo o vazio que se tornou o ser Humano. Ser Humano sem ser.
Quando te sentas e  eu te digo que os pássaros que cantam do cimo de um ramo instável, me sussurram palavras que afinal consigo entender, e me olhas com cara de quem vive no centro da sua ignorância, eu sou feliz. Porque esse é o melhor lugar para se viver.
Preciso dessa acústica que me dás, dessa melodia que entra de pantufas porta a dentro, que ouves e gostas sem te aperceberes sequer que vibra o teu coração. Preciso desta melodia e nunca me tinha apercebido, em toda a vida. Dança no meu tímpano e encanta-me, com palavras sussurradas que tornam este solo mais bonito.


No reflexo do que vive, ao longe, por perto fica o sorriso no teu rosto e a certeza de que te cantarei acapela...sem medos.

sábado, 7 de janeiro de 2012

who knows...

growing old together


sábado, 26 de novembro de 2011

encontros

Sabemos a cor do grito e a matéria de que somos feitos.
Sonhamos a  alternativa, vivendo a realidade. Conhecemos o nosso semelhante em circunstância instantânea, ou por intermédio de, no máximo, cinco olhares.
Um bastou-me para que conseguisse desenhar a silhueta que és em sombra por todo o meu percurso de vivências.
Acabamos por  ser o somatório de tentativas e experiências várias.
Não percebemos porque estamos no momento. Encerramos gerações perdidas no tempo, e somos o próprio tempo na história que tomará o seu lugar.
Cruzamo-nos em vida.
Encontramo-nos na memória.
A vida não é uma curta metragem sem retorno que empreendemos juntos. Nem nunca seremos sorteados em vida: nascemos e morremos num só corpo.
Perdidos no trajecto, ou achados, partilhamos a nossa luz interior com a humanidade. Porque o melhor que levamos do mundo é... os outros.
Nós. E os demais iguais a nós. Embora me destrua, eu sou sempre eu. Não caio em intervalos apáticos de renega, isso seria entregar-me ao vazio.
Não sei ser eu senão em constante auto-destruição.
But i know you'll always be there to... "fix me".

"Dói-me a cabeça e o Universo." F. Pessoa

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

desencontro

Gostava tanto
que gostasses de mim.
Agora.


"It was dark and I was over,
Until you kissed my lips and you saved me,
 My hands, they were strong, but my knees were far too weak,
 To stand in your arms without falling to your feet"
Adele - Set fire to the Rain


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

fala-me barato


Espero das tuas palavras significados que não vêm. Brisas quentes que o vento não traz. Esperei doutrem, um dia, ventos que nada trouxeram.
É outono. As folhas deslizam ao sabor do seu próprio destino. E eu fico, sentada, inérte, na desfolhada. De braços caidos. De folhas caídas.

Por isso procuro alguém que me fale as palavras que eu quero ouvir. Esse alguém que não és tu, que nunca irás ser. Alguém que me aqueça com um abraço falso e expulse este frio. Alguém que me diga o que diz aos sete ventos, o que diz a todas as almas perdidas, mas que é, efectivamente, o que eu preciso de ouvir neste momento.

Fala-me barato. Diz-me coisas que não sentes. Grita-me palavras que assassinas, desprezando-as até no seu mais remoto significado. Banaliza o mundo, banaliza o amor, banaliza! Banaliza tudo em mim, tudo o que sou, todo e qualquer valor que possa ter, toda a capacidade especial que possa ter. Banaliza. Porque o mundo a teus olhos é uma planície bidimensional a preto e branco, sem qualquer paisagem. E eu sei.
Mas esta sede de palavras afoga-me e sufoca-me e mata-te, aos poucos, por dentro.
E é a ti que te quero neste momento. Porque o que valia já não vale...apenas tu, vazia sombra, vales neste momento. E são as tuas palavras vãs que me vão salvar desta apneia.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

tired

Numa rua vazia caminho em passadas largas, como levada na corrente de pessoas à hora de ponta.
Mas o vazio é o meu único acompanhante.
Não tenho nenhum compromisso, nem ninguém a quem ligar.
Sou eu, e o vazio que na rua me acompanha a passadas aceleradas que me levaram a perder-me, já há um tempo. Sem uma única vez ter dado uma em direcção à minha procura.
Deixo-me pelo caminho, sinto apatia quanto a esse facto.

Por acidente, tropeço em alguém, na minha passada longa. Conhecemo-nos, faz-me abrandar, pensar que seria melhor encontrar o que perdi e voltar a casa. À minha própria casa.
Conversamos horas, dias, semanas, sobre tudo o que poderia ser falado. E a meio do meu discurso leva-me ver ao fundo, numa luz ofuscante, um desejo desfasado de me procurar. A mim, a quem um dia eu fui.
Um dia olho fixamente nos seus olhos, de tal modo que, pela expressão, deve incomodar.
E, passado umas horas, faço-lhe companhia à estação, espero que entre no comboio. Vejo acenar, enquanto o comboio avança em direcção ao seu futuro. Num gesto inconsciente, a minha cabeça anui.
Não conseguia aproximar-me, algo me fazia sentir constantemente à beira de uma ravina. Algo esse chamado entrega.
Voltei à rua vazia ausente de mim, onde comecei. Na inércia da qual minha cama é feita, sigo o meu ritmo nas passadas que pensei serem da correria característica da hora de ponta. Mas afinal são as minhas. Como tudo na vida, esse alguém desapareceu.

É por isto que passarei a minha vida a esconder o meu coração.
E eu não conseguirei esconder o meu coração toda a vida.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

mais vazios.

"Quanto mais existes mais a vida se baralha"



Não sou fácil de ser.
Esse é o maior problema de todos.

Gostaria de não ser de uma forma tão concentrada. Gostaria de ser menos.
O sol nasce. Eu ponho-me.
Um dia serei menos. Nesse dia serei igual à calçada que piso.
Talvez assim a felicidade apática me premeie com a sua presença.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

primeira carta.

Diz-me se sentir é estar distraído. Caio nos buracos dos caminhos de quem à minha volta vagueia, e entendo o quão diferente é o meu. Diz-me se me iludo. Diz-me se este mundo é tudo senão meu, é tudo senão deste mundo…é tudo e apenas nada.

Vou construindo muros que definem a minha estrada. Deixo de fora tudo o que magoa o coração... faço como se não existisse. Tu, estranho, entras numa realidade diferente. E que mundo é o meu? Diz-me se o meu sentir é estar distraída… e leva-te daqui. Eu não quero estragados muros, a minha realidade é a que deixo entrar… e a minha ilusão é afinal a minha distracção…

Vivo, leal, e afinal… vou perdendo vida.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

máscaras

O vazio dá muito trabalho. Pode entreter-nos à vontade uma vida inteira.

in Planície de Espelhos - Gabriel Magalhães


E cá chego. Regresso no final de mais um dia, um dia de tantos dias, um ciclo de tantos ciclos. De ciclos por demais. Regresso a quem sou.
Expirei até não sobrar uma pontada de ar e deixei o corpo tomar a forma que lhe apetecesse, descansado e curvado pela exaustão.

A lua subiu e o fantasma voltou ao meu tapete. Nos últimos tempos essa visita tem sido uma, de vez em quando, constante. Lá aparece ele, pintalgado de sombra, noutro dia, noutra forma e, num outro enxorrilho de palavras. Mas isto só de tempos a tempos... Com o tempo no tempo.

No dia em que o fantasma me visita pela primeira vez em sonhos, reconheço que está prestes a chegar o episódio principal dessa temporada...aquele no qual fico desarmada e as máscaras se atiram ao ar. Desmascaram-se personagens, e o cenário torna-se um reboliço. Actores correm, envergonhados, fugindo da identificação, para trás do pano de fundo do palco. Uns para um lado, outros que invertem o seu percurso de corrida para chegarem de uma forma mais rápida ao seu objectivo: a máscara, o pano, o refúgio de quem realmente são. Pernas formigam em cena, freneticamente. E eu consigo identificar algumas das personagens, quando as mãos que lhes cobrem a cara contam segredos entre dedos demasiados afastados. O único consolo é saber que depois disto chegam a calmaria e o silêncio que vão durar e dar início a um novo ciclo, desta vez, igual a todos os outros. Mais uma peça, mais máscaras ao ar, mais desilusão.

Hoje tentei levar o dia com o sentir da intensa visita do fantasma em sonhos que foi ontem. Do sonho que ontem tomou forma.
A cabeça doeu-me todo o dia, talvez tenha pensado demais. Mas as máscaras vestiram-se e o dia foi correndo, ou escorrendo entre os meus dedos afastados. Apesar disso o fantasma invadiu-me uma e outra vez.

Mas ao início da noite, um acordar fez surgir a lembrança que de novo este fantasma não teve cor senão a cor da ilusão, telas pintadas de vazio, que acabaram desbotando em pincel de desilusão.
Abate o cansaço, a tristeza, o sentimento, a força.

Agora, despindo as máscaras das personagens que reconheci, e apenas eu, preparo-me para o novo confronto, aguardando já a calmaria que depressa, devagar, estará à porta a chegar, depois de mais uma correria, mais um reboliço, e mais um pano de fundo do cenário.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

goodbye stranger

Pensa em mim. Mas só mais uma vez.
Fomos fracos. Se tudo vai com o vento a escorrer, não sou eu quem vai lutar.
Esmurro os meus joelhos no chão, magoados...
Junto a testa ao chão... se eu não for quem vai seguir a tua mão?

Tenho de largar a mão. E as portas por fechar assim ficarão, abertas, meio abertas... Assim ficarão.
A terra do meu chão tornou-se húmida, instável, sinto a minha testa a acamar-se num ninho, e sinto-me assim...sozinha. E foi tudo tão breve. E fomos tão fracos.
Ou a fraca fui eu. E nenhum destes juízos interessam. Eu vou largar a mão.

Com isto, por-me-ei a caminho do que me espera.
Não penses mais em quem te fui.
Adeus, estranho, espero que encontres o teu paraíso.

(Goodbye stranger, it's been nice
hope you find your paradise.
So now I'm leaving, got to go, hit the road
I'm saying once again
Oh yes I'm leaving, got to go, got to go
I'm sorry I must tell you
So Goodbye
Will we ever meet again

I believe, Yes I've got to get away.
Goodbye stranger, it's been nice.

SUPERTRAMP)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

anti-formatação.

(Introdução - parágrafo primeiro)
Dei umas passadas no meu pensamento, fortes, antítese de mim (não?). Dei umas passadas pensativas, na hipálage do meu ser. Passadas pensativas de caminho moldado a meus pés, no caminho-mundo que gira à velocidade que quer, deixando-me viver saboreando a maré. Desarmei hipérboles, consciencializei-me de interrogações retóricas, eliminei palavras redondamente caídas em epanadiploses, inverti-me, na anástrofe das minhas frases, mas agarrei-me ao seu sentido. Tudo em passadas no meu pensamento. Tudo em passadas pensativas. Tudo sem sair do mesmo sítio. Tudo como se tivesse caminhado milhas. Tudo na minha cabeça.

(Desenvolvimento - parágrafo segundo; não esquecer de utilizar articuladores do discurso!)
Já é noite e o frio está em tudo o que se vê. Lá fora ninguém sabe que por dentro há vazio, porque em todos há um espaço que por medo não cedeu, onde a solidão se esquece do que o medo não previu. Já é noite e o chão é mais terra para nascer. A água vai escorrendo entre as mão a percorrer todo o espaço entre a sombra e o pedaço que restou, para refazer da vida o que o medo não matou. Porque onde tudo morre nada pode acontecer.
Já é dia e a luz está em tudo o que se vê. Cá dentro não se ouve o que lá fora faz chover, na cidade que há em ti, no lugar que há em ti, e é ai que vou ficar. Porque onde tudo morre tudo pode renascer.


(Conclusão - paragrafo terceiro) Portanto (articulador conclusivo) os lobos uivam... mas eu danço mais alto. Sento-me à beira mar à espera de maré. É preciso esperar, primeiro que não chova. Mas é aqui que vou ficar.


Sou má a funcionamento da língua. Mas escrevo e hei-de sempre escrever como quero. Venham mais acordos! Não venço mas não me junto. Tudo isto são Letras Livres, e é aqui que vivo!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

azul.


O vento brincava entre os espaços vazios do meu cabelo. E eu olhava-o como um louco que soprava em olhos que, no fundo, eram os meus. O vidro aberto pintava uma estrada a passar demasiado depressa, a uma velocidade que desfocava os mais próximos elementos da paisagem que se torna o horizonte alentejano.
Olho o céu esbranquiçado por nuvens com elevado grau de transparência. Olho o infinito azul:

- O que seria de nós se todas as histórias de infância nos tivessem sido contadas de trás para a frente?
- O que seria? Seria algo bem mais fácil!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

hora de ponta.


Toc, toc, toc.
Ao final da tarde, as portas do comboio abrem-se. É hora de ponta, e pessoas vagueiam ordenada e intencionalmente para a correria do dia seguinte.
Passos apressados ora de saltos altos, ora de chinelos metidos em pés de gente pesada, continua, rastejando-se pelas horas vazias dos seus dias. Passos apressados a mais horas vagas, a mais horas vazias. Toc, toc, toc. E o som dos saltos impera, altivo.
E eu dou passos confiantes, num movimento consciente em todos os seus ângulos. Olho para todos os olhos que fogem dos meus, gritando a invasão do seu espaço, olho para os olhos vazios que olham sem ver. Procuro uma emoção nalgum olhar, mas todos são vazios, maquinizados pela rotina, levando as pessoas a passearem dormentemente, numa dança vã em piloto automático, com as pupilas dilatadas, de quem se penetra em estupefacientes. Mas não. São apenas olhos vazios. Toc, toc, toc.
E há sempre uma ou outra velhota encostada a uma ou outra parede da estação que sorri perante tal cenário apático. "Gosto de ver as pessoas a passar, na vida delas" como dizem. Como se troçasse das horas vagamente vagas daquelas pessoas, como se troçasse a perda de vida, como se troçasse do toc, toc, toc. Ela, de sapatilhas rasteirinhas e gastas, olhos cheios e mãos vividas, sorri perante o vazio ordinário da hora de ponta. "Gosto de ver as pessoas a passar ao lado da vida delas" querem dizer.
Procuro-a com o olhar e sorrio, e ela esmurece o sorriso, olhando-me como um intruso, como a quebra apática.
Despeço-me, anuindo ligeira e levemente. Ela segue-me com o olhar pesado.

Sem palavras vãs, são apenas dois lados do mesmo adeus.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

vazios(#2)



Mais um dia em vão no jogo em que ninguém ganhou
Dá mais cartas, baixa a luz e vem esquecer o amor
És tu quem quer
Sou eu quem não quer ver que o tudo é tão maior
Aqui está frio demais para apostar em mim.

Vê que a noite pode ser tão pouco como nós
Neste quarto o tempo é medo e o medo faz-nos sós
És tu quem quer
Mas eu só sei ver que o tempo já passou e eu fugi
Que aqui está frio demais para me sentir... mas queres ficar?

Tudo o que é meu
É tudo o que eu
Não sei largar

Queres levar
Tudo o que é meu
É tudo o que eu
Não sei largar

Vem rasgar o escuro desta chuva que sujou!
Vem que a água vai lavar o que me dói!
Vem, que nem o último a cair vai perder.


Tiago Bettencourt - O Jogo

segunda-feira, 14 de junho de 2010

gota.

O rio corre colina abaixo, silencioso, altivo, objectivo. A minha mente divaga para o destino das gotas de água que vejo diante mim, em correrias, ora a voar, olha a rastejar por paredes, ora a serem engolidas pelo chão. Tudo de infinito para infinito. E eu divago.
Penso em nós na condição de rio por colina abaixo. Penso em nós como a adesão das moléculas de água que correm, escorrem e que se transparecem no mundo. Penso em nós como a adesão que alimenta as copas das árvores mais altas. Penso em nós na tensão que faz chorar videiras. Penso em nós... Sim, penso em nós.
Ora a voar, ora a trepar paredes, ora em correrias, ora a sermos engolidos pelo chão, direitinhos à mais funda porção de terra sedenta. Ora a transparecer no mundo, ora a transparecer o mundo.

Mas o pensamento é ilimitado. De infinito para infinito. Tal como a gota de água, e todo o ciclo que esta transporta às costas, para a eternidade. E deixo de divagar. Nada mais esta linha é do que o meu pensamento a voar, a trepar paredes, a correr, a ser engolido, a transparecer-se.


Tenho as minhas mãos cheias de tudo o que não posso dar. Cheias de um pensamento que me preenche, mas que tem como linha um ar rarefeito.
Quanto mais te encontro, mais me perco.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

vazios


Noite escura. Numa divisão escura a noite estava fria, húmida, enevoada. O piso estava mole, dando a sensação pantanosa. Causava medo a quem medo dela tinha.

Uma estação vazia, no meio de nenhures, bancos vazios, silabava o silêncio, imperando sobre o grito cego do vento que me atingia, tentando levar-me para o sítio onde a inércia reside.


Mas tu não tinhas medo. Quando a tua visão finalmente se habituou à sua falta de luz, pintou-se lentamente uma negra e alta parede, velha, frágil e alternadamente nua pelo estuque que dela saltou. Notavam-se, nessas zonas, os tilojos que a mantinham erguida: também eles velhos, frágeis e sem a ordinária tonalidade vermelha-viva que os caracteriza. Alguns até já eram ninho de pequenas plantas. Duas portas, uma ao lado da outra, te saltaram à vista, bem centradas na parede: ornadas de por teias-de-aranha empoeiradas, de uma cor morta que as envelhecia ainda mais: uma mais pequena que tu, outra que ultrapassava bem a tua altura. Faziam lembrar as portas de um anão e de um gigante.

Eu ia caminhando para ela, lutando contra o vento, e nenhuma parte deste me trazia nenhum tipo de ruído que me alertasse a chegada de um comboio. Então decidi não lutar com tanta ferocidade, afinal tinha tempo... Se um comboio estivesse para chegar, ouvi-lo-ia...

A parede escorria humidade, o ambiente estava frio, e tu quiseste dali sair. Sem pensar duas vezes, abriste rapidamente a porta que te dava pela cintura e começaste a tentativa de por ali fugir.


Mas a chegada de um comboio foi captada pela minha visão, e eu corri. Corri tão rápido que a minha alma quase não conseguiu acompanhar-me. O comboio arrancou, com o som grave da sua buzina. Mas eu continuei a correr, o vento já não alterava a minha velocidade, a minha alma cansou-se e deixou-me a meio, e eu corria, os cabelos entravam na minha boca e no meu nariz, incomodando-me, e eu corria, e continuei a correr sempre, até quando o comboio já não constava da minha linha de horizonte...



Porque é que insistes em passar por uma porta minúscula, se tens uma tão grande a teu lado?
E eu? Porque é que eu insisto em correr atrás de um comboio que já partiu?

domingo, 23 de maio de 2010

tom,


Nos meus caracóis ri-se a rebeldia dos teus cabelos negros. Eles riem sob sorrisos que subestimas.
Dos teus passos ritmo os meus, descompassados mas felizes. Das tuas corridas, da tua marcha lenta, te acompanharei, com a graça e simplicidade de uma criança e com a dedicação de uma maré centripta insistente.
Dizem-me que não se pode apostar num tom se não se teve a certeza como a ele se chegou, para se ir pintando aos poucos e por tentativas. Mas a rebeldia dos teus cabelos leva os meus a debruçar-se sobre o cavalinho sem medo algum de cair, nadando num tom incerto, e por isso sem temer o seu desencontro.
E pinto sem saciar, sem temer, sentimentos, sons e símbolos que conheces.


O vento dança nos meus caracóis. O vento dança em ti, rebelde. O vento leva-me na tua dança.
Hoje passearei o que ontem tentaste esconder no peito.

Fazes-me bem.

sábado, 8 de maio de 2010

gritos ocos, lugares vazios.


Lá fora, uma mulher tentava correr com saltos frágeis que a impediam. De biquinhos dos pés ia ela, imperando e compassando o seu esforço. Aguaceiros dominavam a manhã, ora ameaçando grossa precipitação, ora parando. Iludindo.
Sentei-me. E olhaste para mim com cara de quem nada entendia, fazendo-me sentir a pessoa mais incompreendida, mais estranhamente perdida em ideias sem nexo.
"Como? Diz-me como não entendes? Mentes ocas, dogmáticas, instáveis, mutáveis, limitadas, desprovidas de imaginação. Intolerância, teorias desfasadas da realidade, terminologia barata, sistemas desconectados, estas são as pessoas que me assustam! São estas que mais temo na vida. Sei que todos nós cometemos erros de julgamento que podem eventualmente ser corrigidos, desde que tenhamos em nós capacitado o reconhecimento, as coisas poderão compor-se. Agora, espíritos tacanhos e intolerantes, sem imaginação, são como parasitas que transformam o hospedeiro, mudam de forma, sobrevivem e ainda vingam. São uma causa perdida, e eu não quero vê-los aqui por perto!"
Talvez tenham sido demasiadas as palavras, talvez tenha alongado a linha de raciocínio, talvez tenhas perdido o fio à meada quando ainda nem a meio ia. Sei que continuaste exactamente com o mesmo olhar, oco, desprovido, desinteressado e neutro. Como se algo morto te tivesse dominado, tudo numa questão de segundos. Ainda uma luz me espreitou ao fundo do túnel quando me lembrei que provavelmente fosse um "black-out" introdutório da metamorfose, pensei que de seguida irias ser alvo de um despertar repentino. Mas o "black-out" persistiu demasiado, um fusível queimou algures na tua cabeça. Baixei os braços.

Não desisti. Apenas tentarei depois.

terça-feira, 27 de abril de 2010

são bolhas.

Uma criança esticava o braço, perpendicular ao vector levado pelo vento, como circulo preso num pauzinho, agarrado à sua mãozinha, encharcado de sabão.
O vento passava e bolas de sabão eram feitas, perfeitas e desfeitas, rebentadas num estalo oco, faiscante, brilhante, ao vento, sem mais modo de continuar. Bolhas fogem, dançantes no vento, para o céu, mas iludem-se na esperança de possível chegada.
O vento continua a passar, dando-lhes a esperança infinita, elas, reflectindo o sol em luz branca decomposta, em direcção ao rosto da linda criança, frágil, contente, voando entre as bolhas e aconchegando-se delas, e elas fugindo, ocas e cheias de felicidade e de orgulho de uma criança, querendo, expectante, voar com elas.
E num estalido oco rebentavam, antes de chegarem ao céu, erodindo mais e mais, meteorizando um sonho de voar, o ordinário sonho. E os olhos da criança brilhavam, voando, entre os sonhos, entre as bolhas, entre as nuvens, entre as estrelas, entre qualquer entidade que os tinha feito ir mais além, acreditando, expenctando algo da vida.
E diante tamanha luz, aproximei-me, lenta e cuidadosamente, para lhe sussurrar num registo não audível: Quando for como tu, viverei numa nuvem.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

pés no chão


fotografia: FingerTiips
em olhares.aeiou.pt/FingerTiips

Encontro o sítio ideal: planície verdejante, fresca, sem sombras.
Está um dia verde. Lindo. O sol ilumina-me a face e aquece-me, num abraço gigante, todo o corpo.
Deito-me na relva e medito. Sinto o chilrear arritmado, a confusão sonora de asinhas secas que batem umas contra outras, no desespero necessitado de voar. São aos montes. Montes de asinhas voam em torno do meu corpo, batendo e batendo, insectos e aves, frágeis, voam, tal como eu.
Sinto a relva a puxar-me num emaranhado forte e contínuo. Sinto que me puxa, tão calmamente quanto o girar deste mundo, para o centro da terra. E não tenho medo. Deixo-me ser levada, é bela a sensação de impotência desejada, é bela a projecção tal que pontua a desvalorização do corpo físico. E vou indo, mas vou ficando. A minha energia é mandada voar para o imenso infinito, mas eu não quero. Eu não necessito do infinito roxo se ele me é já tão conhecido, como a minha própria morada. Infrinjo, na potencialidade mais pura de preocupação com a necessidade própria. E fico. Deitada, no lugar do meu físico, vou sentindo o vento que me elucida à vida terrena. Vou sentindo as patas fragilmente finas dos bichinhos que me percorrem os braços, procurando o que nem eles sabem. Mas eu sei.
Quero raízes, quero vermelho, quero fogo, quero cristais, quero terra, quero instinto. Quero sentir a energia que me puxa os pés ao chão. Quero pousar-me, tocar a planície, aninhar-me numa árvore e ser a sua meditação eterna.
E quero tudo isto para um dia saber, conscientemente, todo o tempo que voei sem saber.

terça-feira, 6 de abril de 2010

asas

Emano-me no pôr-do-sol, descendente, pondo-se a teus pés.

Grande. Onde baixo as minhas asas, a teus pés, recolhendo-me nas tuas asas. Grandes!
O calor das tuas asas abraça-me, envolve-me, devolve-me o sabor a segurança do corrimão que um dia rebordou as minhas escadas. Desapareceu na vertigem inesperada na sequência das minhas quase-quedas ao centro do mundo.
Mas nas tuas asas eu voo, e no calor que me dás eu flutuo. E apenas com um sorriso subo até ao último degrau, sem corrimão mas em segurança, onde a vertigem ainda me atinge, e onde nas tuas asas me apoio.

Asas de luz.
E com asas deixo de me preocupar com a consistência do meu chão.

Porque nas tuas asas voo.
Porque das tuas asas voo.
E tenho em mim asas de ti.

quinta-feira, 25 de março de 2010

voa, voa.


Malas feitas;
Bolha tecida.
Voarei.
Voas comigo?

Esperar-te-ei.

sexta-feira, 19 de março de 2010

esfuma-te


fotografia: FingerTiips
em olhares.aeiou.pt/fingertiips


Eu nasci nalgum lugar onde se escuta o rio batendo contra o cais.

O sol recua na minha linha de horizonte, lenta e dolorosamente.
Como um rio que volta à nascente.


Esfuma-se o fumo perante tal gigante. Ele brilha.
O Sol rasga-me o céu, e o teu fumo.
Esfumas-te.
Foges.
Tentas fugir.
Mas o Sol tece-te o caminho.
Corres?
Não entendes?

Da minha janela vejo o Sol.
Vejo-te também, imperado e manipulado na urgência de fugir dele.
Na viagem contra o tempo,
no barco a favor de temporais.
Ainda corres?

Vejo a tua expressão, triste,
porque o rio na tempestade te levou ao mar
onde perdeste o pé da alma.
Onde gemes como o rio que bate contra o cais ausente.
Onde expressas a dor de leito de regresso à nascente.

Mas vejo o Sol da minha janela.
Vejo o Sol a acabar a sua rotina diurna,
e vejo-te mais uma vez fugindo dele
como fumo a favor do vento.
Não entendes?

Não corras, não fujas, não te esfumes;
Não te leves pelo vento nem por tempestades;
Minha fatalidade, do Sol respiras,
corre. Acabarás nele,
porque dele começaste.

quarta-feira, 17 de março de 2010

ó nuvem...




Vou fingir esquecer-me de tudo o que me lembro.
Talvez assim não entendas tudo o que enubla a minha visão.
Talvez assim não entendas os labirintos de que sou assombrada.
Talvez assim não entendas...

domingo, 14 de março de 2010

talvez um dia me encontre.


Sigo pela estrada. Sem passos compassados de forma rápida. Não. Calmamente.
"Foi sem mais nem menos
Que me deu para abalar sem destino nenhum"
Fujo do nada. Apenas por prazer. Vejo mundos passar, aprecio-os. Sorrio com a ironia da vida. Deleito-me com a minha paisagem: as árvores dançantes ao sabor do vento; as nuvens observadoras, desenhando o que vai dentro de mim, numa metamorfose contínua; o piso verde contrastante com a estrada alcatroada; o pássaro chilreante, que me chama pela planície dentro. E eu sigo o seu chamamento.
"Viva o espaço que me fica pela frente e não me deixa recuar
Sem paredes, sem ter portas nem janelas
Nem muros para derrubar"
Sinto a energia da Terra que me sobe até à coroa. Não sei para onde vou. Mas pelo menos vou.
Movimento cego em que tenho os olhos mais abertos do que alguma vez os tive. Jornada dormente na qual tenho os sentidos mais alerta, como nunca antes tivera.
Um cheiro novo que me invade.
"Curiosamente dou por mim pensando onde isto me vai levar
De uma forma ou de outra há-de haver uma hora de vontade de parar
Só que à frente o bailado do calor vai-me arrastando para o vazio
E com o ar na cara, vou sentindo desafios que nunca ninguém sentiu"
Não sei para onde vou nem para o que vou.
Mas esta é a parte boa da vida.


"Talvez um dia me encontre.
Assim talvez me encontre"
(125 Azul - Trovante)

sábado, 13 de março de 2010

avô


Nasci num cais.
Num cais longo e velho, imperfeito e frágil.
Nasci num cais, vivi de pesca. Vivi a pesca.
Nasci num cais sobre águas tumultuosas, águas de penumbra, águas medonhas e com toda a força da natureza.
Nasci num cais que me ensinou a ir pela maré e nunca contra ela.

Esse cais
mostrou-me as coisas mais belas da natureza,
mostrou-me o sentido mais controverso da vida,
mostrou-me que não vale a pena remar contra a maré.
Pois mesmo que reme,
o meu cais tem postes fixos em lodo,
postes fixos onde nada é fixo, mas que fixos estão.

Esse cais
ensinou-me que todos nós nascemos nesse lodo
estagnado,
que os dormentes lá fazem a sua cama,
e que a luz pode transformar o mais dormente
numa bela flor de lótus.

Nasci num cais
que é meu pai,
minha sabedoria,
meu interesse,
meu amor pela vida.

sexta-feira, 12 de março de 2010

chuva


"Agora
que a chuva cai devagar
Lá fora
E a noite vem devorar
O sol
E tudo fica em silêncio
Na rua,
E ao fundo
Ouve-se o mar"


Gotas atingem o meu corpo engrupado. Imagino que a minha imagem, ao longe, sem divergência de cores, seja semelhante a uma bola em perfeito equilíbrio com a superfície onde se encontra. Percebo e aceito que o sentido empírico muitas vezes controle os ideais de personagens. Mas o que eles não captam é toda esta falta de equilíbrio, todo este colapso em choques arritmados que se encontra no centro do meu ser.

Gotas caem, e eu incomodo-me com a imagem de serenidade equilibrada que possa estar a transparecer. Levanto-me. E sinto as gotas bater-me, como crianças ao conhecimento do som de cada tecla do piano. Da mais grave, à mais aguda.


E a chuva cai.
E eu sou seu amparo.


E a chuva cai.
E eu sou o pior amparo que alguém poderia arranjar por hoje.


Olho para cima, em movimento vertiginoso, e vejo-as. Tantas. Atingem-me os olhos, a boca, o nariz, seguindo, maquinalmente, a sua corrida em direcção ao equilíbrio com o seu cenário.
Tudo corre em direcção do equilíbrio.
Nunca ninguém me ensinou a fazê-lo.
Abro os meus braços, pesados já pela camisola encharcada, e distanciando-os do tronco, com as palmas das mãos direccionadas aos céus. À chuva.
A sensação vertiginosa transformou-se, sendo o resultado desta metamorfose um alegre formigueiro, um cheiro a algo único, a cor de tesouro descoberto e um doce sorriso fechado. Fecho os olhos. Sinto as folhas da minha árvore voarem. Sinto um abrigo que me protege. À chuva. E a minha tristeza passa a ser camuflada; o meu colapso acabou submerso, causando apenas o tsunami pelo qual já tinha sido interpelada.
E ao fundo, ouço o mar que me deu à costa.



"Agora
Que a água inunda os teus olhos
E o mundo
Já não te deixa parar
No escuro
Voltam histórias perdidas
Na alma
Onde não podes tocar
E ao fundo
Ouve-se o mar"
(Ouve-se o mar - Mafalda Veiga)

quarta-feira, 10 de março de 2010

eco de silêncio




Sou como folha

que cai e renasce.

Silenciosa,

Prudente.





Não sabes de mim.
Não conheces o pó
dos meus degraus;
Não conheces as cores
com que vejo.

E é por isto que não conheces a pressão das tuas palavras.
E esqueces-te
Que eu sei voar.

Voo como folha
Caio do cume da árvore
que me empurra.
Sem medo,
sem prudência,
mas em silêncio.

Grito debaixo do tapete,
palavras de uma cor que não vês.
Assim, sou vazio;
assim, apenas irás ouvir
o meu eco, no silêncio.

Acompanhar-te-à sempre,
Essa dormência que incomoda
Gritará palavras que não ouves
De cores invisíveis...
O eco de silêncio.