terça-feira, 27 de abril de 2010

são bolhas.

Uma criança esticava o braço, perpendicular ao vector levado pelo vento, como circulo preso num pauzinho, agarrado à sua mãozinha, encharcado de sabão.
O vento passava e bolas de sabão eram feitas, perfeitas e desfeitas, rebentadas num estalo oco, faiscante, brilhante, ao vento, sem mais modo de continuar. Bolhas fogem, dançantes no vento, para o céu, mas iludem-se na esperança de possível chegada.
O vento continua a passar, dando-lhes a esperança infinita, elas, reflectindo o sol em luz branca decomposta, em direcção ao rosto da linda criança, frágil, contente, voando entre as bolhas e aconchegando-se delas, e elas fugindo, ocas e cheias de felicidade e de orgulho de uma criança, querendo, expectante, voar com elas.
E num estalido oco rebentavam, antes de chegarem ao céu, erodindo mais e mais, meteorizando um sonho de voar, o ordinário sonho. E os olhos da criança brilhavam, voando, entre os sonhos, entre as bolhas, entre as nuvens, entre as estrelas, entre qualquer entidade que os tinha feito ir mais além, acreditando, expenctando algo da vida.
E diante tamanha luz, aproximei-me, lenta e cuidadosamente, para lhe sussurrar num registo não audível: Quando for como tu, viverei numa nuvem.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

pés no chão


fotografia: FingerTiips
em olhares.aeiou.pt/FingerTiips

Encontro o sítio ideal: planície verdejante, fresca, sem sombras.
Está um dia verde. Lindo. O sol ilumina-me a face e aquece-me, num abraço gigante, todo o corpo.
Deito-me na relva e medito. Sinto o chilrear arritmado, a confusão sonora de asinhas secas que batem umas contra outras, no desespero necessitado de voar. São aos montes. Montes de asinhas voam em torno do meu corpo, batendo e batendo, insectos e aves, frágeis, voam, tal como eu.
Sinto a relva a puxar-me num emaranhado forte e contínuo. Sinto que me puxa, tão calmamente quanto o girar deste mundo, para o centro da terra. E não tenho medo. Deixo-me ser levada, é bela a sensação de impotência desejada, é bela a projecção tal que pontua a desvalorização do corpo físico. E vou indo, mas vou ficando. A minha energia é mandada voar para o imenso infinito, mas eu não quero. Eu não necessito do infinito roxo se ele me é já tão conhecido, como a minha própria morada. Infrinjo, na potencialidade mais pura de preocupação com a necessidade própria. E fico. Deitada, no lugar do meu físico, vou sentindo o vento que me elucida à vida terrena. Vou sentindo as patas fragilmente finas dos bichinhos que me percorrem os braços, procurando o que nem eles sabem. Mas eu sei.
Quero raízes, quero vermelho, quero fogo, quero cristais, quero terra, quero instinto. Quero sentir a energia que me puxa os pés ao chão. Quero pousar-me, tocar a planície, aninhar-me numa árvore e ser a sua meditação eterna.
E quero tudo isto para um dia saber, conscientemente, todo o tempo que voei sem saber.

terça-feira, 6 de abril de 2010

asas

Emano-me no pôr-do-sol, descendente, pondo-se a teus pés.

Grande. Onde baixo as minhas asas, a teus pés, recolhendo-me nas tuas asas. Grandes!
O calor das tuas asas abraça-me, envolve-me, devolve-me o sabor a segurança do corrimão que um dia rebordou as minhas escadas. Desapareceu na vertigem inesperada na sequência das minhas quase-quedas ao centro do mundo.
Mas nas tuas asas eu voo, e no calor que me dás eu flutuo. E apenas com um sorriso subo até ao último degrau, sem corrimão mas em segurança, onde a vertigem ainda me atinge, e onde nas tuas asas me apoio.

Asas de luz.
E com asas deixo de me preocupar com a consistência do meu chão.

Porque nas tuas asas voo.
Porque das tuas asas voo.
E tenho em mim asas de ti.