quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

primeira carta.

Diz-me se sentir é estar distraído. Caio nos buracos dos caminhos de quem à minha volta vagueia, e entendo o quão diferente é o meu. Diz-me se me iludo. Diz-me se este mundo é tudo senão meu, é tudo senão deste mundo…é tudo e apenas nada.

Vou construindo muros que definem a minha estrada. Deixo de fora tudo o que magoa o coração... faço como se não existisse. Tu, estranho, entras numa realidade diferente. E que mundo é o meu? Diz-me se o meu sentir é estar distraída… e leva-te daqui. Eu não quero estragados muros, a minha realidade é a que deixo entrar… e a minha ilusão é afinal a minha distracção…

Vivo, leal, e afinal… vou perdendo vida.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

máscaras

O vazio dá muito trabalho. Pode entreter-nos à vontade uma vida inteira.

in Planície de Espelhos - Gabriel Magalhães


E cá chego. Regresso no final de mais um dia, um dia de tantos dias, um ciclo de tantos ciclos. De ciclos por demais. Regresso a quem sou.
Expirei até não sobrar uma pontada de ar e deixei o corpo tomar a forma que lhe apetecesse, descansado e curvado pela exaustão.

A lua subiu e o fantasma voltou ao meu tapete. Nos últimos tempos essa visita tem sido uma, de vez em quando, constante. Lá aparece ele, pintalgado de sombra, noutro dia, noutra forma e, num outro enxorrilho de palavras. Mas isto só de tempos a tempos... Com o tempo no tempo.

No dia em que o fantasma me visita pela primeira vez em sonhos, reconheço que está prestes a chegar o episódio principal dessa temporada...aquele no qual fico desarmada e as máscaras se atiram ao ar. Desmascaram-se personagens, e o cenário torna-se um reboliço. Actores correm, envergonhados, fugindo da identificação, para trás do pano de fundo do palco. Uns para um lado, outros que invertem o seu percurso de corrida para chegarem de uma forma mais rápida ao seu objectivo: a máscara, o pano, o refúgio de quem realmente são. Pernas formigam em cena, freneticamente. E eu consigo identificar algumas das personagens, quando as mãos que lhes cobrem a cara contam segredos entre dedos demasiados afastados. O único consolo é saber que depois disto chegam a calmaria e o silêncio que vão durar e dar início a um novo ciclo, desta vez, igual a todos os outros. Mais uma peça, mais máscaras ao ar, mais desilusão.

Hoje tentei levar o dia com o sentir da intensa visita do fantasma em sonhos que foi ontem. Do sonho que ontem tomou forma.
A cabeça doeu-me todo o dia, talvez tenha pensado demais. Mas as máscaras vestiram-se e o dia foi correndo, ou escorrendo entre os meus dedos afastados. Apesar disso o fantasma invadiu-me uma e outra vez.

Mas ao início da noite, um acordar fez surgir a lembrança que de novo este fantasma não teve cor senão a cor da ilusão, telas pintadas de vazio, que acabaram desbotando em pincel de desilusão.
Abate o cansaço, a tristeza, o sentimento, a força.

Agora, despindo as máscaras das personagens que reconheci, e apenas eu, preparo-me para o novo confronto, aguardando já a calmaria que depressa, devagar, estará à porta a chegar, depois de mais uma correria, mais um reboliço, e mais um pano de fundo do cenário.