sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

goodbye stranger

Pensa em mim. Mas só mais uma vez.
Fomos fracos. Se tudo vai com o vento a escorrer, não sou eu quem vai lutar.
Esmurro os meus joelhos no chão, magoados...
Junto a testa ao chão... se eu não for quem vai seguir a tua mão?

Tenho de largar a mão. E as portas por fechar assim ficarão, abertas, meio abertas... Assim ficarão.
A terra do meu chão tornou-se húmida, instável, sinto a minha testa a acamar-se num ninho, e sinto-me assim...sozinha. E foi tudo tão breve. E fomos tão fracos.
Ou a fraca fui eu. E nenhum destes juízos interessam. Eu vou largar a mão.

Com isto, por-me-ei a caminho do que me espera.
Não penses mais em quem te fui.
Adeus, estranho, espero que encontres o teu paraíso.

(Goodbye stranger, it's been nice
hope you find your paradise.
So now I'm leaving, got to go, hit the road
I'm saying once again
Oh yes I'm leaving, got to go, got to go
I'm sorry I must tell you
So Goodbye
Will we ever meet again

I believe, Yes I've got to get away.
Goodbye stranger, it's been nice.

SUPERTRAMP)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

anti-formatação.

(Introdução - parágrafo primeiro)
Dei umas passadas no meu pensamento, fortes, antítese de mim (não?). Dei umas passadas pensativas, na hipálage do meu ser. Passadas pensativas de caminho moldado a meus pés, no caminho-mundo que gira à velocidade que quer, deixando-me viver saboreando a maré. Desarmei hipérboles, consciencializei-me de interrogações retóricas, eliminei palavras redondamente caídas em epanadiploses, inverti-me, na anástrofe das minhas frases, mas agarrei-me ao seu sentido. Tudo em passadas no meu pensamento. Tudo em passadas pensativas. Tudo sem sair do mesmo sítio. Tudo como se tivesse caminhado milhas. Tudo na minha cabeça.

(Desenvolvimento - parágrafo segundo; não esquecer de utilizar articuladores do discurso!)
Já é noite e o frio está em tudo o que se vê. Lá fora ninguém sabe que por dentro há vazio, porque em todos há um espaço que por medo não cedeu, onde a solidão se esquece do que o medo não previu. Já é noite e o chão é mais terra para nascer. A água vai escorrendo entre as mão a percorrer todo o espaço entre a sombra e o pedaço que restou, para refazer da vida o que o medo não matou. Porque onde tudo morre nada pode acontecer.
Já é dia e a luz está em tudo o que se vê. Cá dentro não se ouve o que lá fora faz chover, na cidade que há em ti, no lugar que há em ti, e é ai que vou ficar. Porque onde tudo morre tudo pode renascer.


(Conclusão - paragrafo terceiro) Portanto (articulador conclusivo) os lobos uivam... mas eu danço mais alto. Sento-me à beira mar à espera de maré. É preciso esperar, primeiro que não chova. Mas é aqui que vou ficar.


Sou má a funcionamento da língua. Mas escrevo e hei-de sempre escrever como quero. Venham mais acordos! Não venço mas não me junto. Tudo isto são Letras Livres, e é aqui que vivo!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

azul.


O vento brincava entre os espaços vazios do meu cabelo. E eu olhava-o como um louco que soprava em olhos que, no fundo, eram os meus. O vidro aberto pintava uma estrada a passar demasiado depressa, a uma velocidade que desfocava os mais próximos elementos da paisagem que se torna o horizonte alentejano.
Olho o céu esbranquiçado por nuvens com elevado grau de transparência. Olho o infinito azul:

- O que seria de nós se todas as histórias de infância nos tivessem sido contadas de trás para a frente?
- O que seria? Seria algo bem mais fácil!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

hora de ponta.


Toc, toc, toc.
Ao final da tarde, as portas do comboio abrem-se. É hora de ponta, e pessoas vagueiam ordenada e intencionalmente para a correria do dia seguinte.
Passos apressados ora de saltos altos, ora de chinelos metidos em pés de gente pesada, continua, rastejando-se pelas horas vazias dos seus dias. Passos apressados a mais horas vagas, a mais horas vazias. Toc, toc, toc. E o som dos saltos impera, altivo.
E eu dou passos confiantes, num movimento consciente em todos os seus ângulos. Olho para todos os olhos que fogem dos meus, gritando a invasão do seu espaço, olho para os olhos vazios que olham sem ver. Procuro uma emoção nalgum olhar, mas todos são vazios, maquinizados pela rotina, levando as pessoas a passearem dormentemente, numa dança vã em piloto automático, com as pupilas dilatadas, de quem se penetra em estupefacientes. Mas não. São apenas olhos vazios. Toc, toc, toc.
E há sempre uma ou outra velhota encostada a uma ou outra parede da estação que sorri perante tal cenário apático. "Gosto de ver as pessoas a passar, na vida delas" como dizem. Como se troçasse das horas vagamente vagas daquelas pessoas, como se troçasse a perda de vida, como se troçasse do toc, toc, toc. Ela, de sapatilhas rasteirinhas e gastas, olhos cheios e mãos vividas, sorri perante o vazio ordinário da hora de ponta. "Gosto de ver as pessoas a passar ao lado da vida delas" querem dizer.
Procuro-a com o olhar e sorrio, e ela esmurece o sorriso, olhando-me como um intruso, como a quebra apática.
Despeço-me, anuindo ligeira e levemente. Ela segue-me com o olhar pesado.

Sem palavras vãs, são apenas dois lados do mesmo adeus.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

vazios(#2)



Mais um dia em vão no jogo em que ninguém ganhou
Dá mais cartas, baixa a luz e vem esquecer o amor
És tu quem quer
Sou eu quem não quer ver que o tudo é tão maior
Aqui está frio demais para apostar em mim.

Vê que a noite pode ser tão pouco como nós
Neste quarto o tempo é medo e o medo faz-nos sós
És tu quem quer
Mas eu só sei ver que o tempo já passou e eu fugi
Que aqui está frio demais para me sentir... mas queres ficar?

Tudo o que é meu
É tudo o que eu
Não sei largar

Queres levar
Tudo o que é meu
É tudo o que eu
Não sei largar

Vem rasgar o escuro desta chuva que sujou!
Vem que a água vai lavar o que me dói!
Vem, que nem o último a cair vai perder.


Tiago Bettencourt - O Jogo

segunda-feira, 14 de junho de 2010

gota.

O rio corre colina abaixo, silencioso, altivo, objectivo. A minha mente divaga para o destino das gotas de água que vejo diante mim, em correrias, ora a voar, olha a rastejar por paredes, ora a serem engolidas pelo chão. Tudo de infinito para infinito. E eu divago.
Penso em nós na condição de rio por colina abaixo. Penso em nós como a adesão das moléculas de água que correm, escorrem e que se transparecem no mundo. Penso em nós como a adesão que alimenta as copas das árvores mais altas. Penso em nós na tensão que faz chorar videiras. Penso em nós... Sim, penso em nós.
Ora a voar, ora a trepar paredes, ora em correrias, ora a sermos engolidos pelo chão, direitinhos à mais funda porção de terra sedenta. Ora a transparecer no mundo, ora a transparecer o mundo.

Mas o pensamento é ilimitado. De infinito para infinito. Tal como a gota de água, e todo o ciclo que esta transporta às costas, para a eternidade. E deixo de divagar. Nada mais esta linha é do que o meu pensamento a voar, a trepar paredes, a correr, a ser engolido, a transparecer-se.


Tenho as minhas mãos cheias de tudo o que não posso dar. Cheias de um pensamento que me preenche, mas que tem como linha um ar rarefeito.
Quanto mais te encontro, mais me perco.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

vazios


Noite escura. Numa divisão escura a noite estava fria, húmida, enevoada. O piso estava mole, dando a sensação pantanosa. Causava medo a quem medo dela tinha.

Uma estação vazia, no meio de nenhures, bancos vazios, silabava o silêncio, imperando sobre o grito cego do vento que me atingia, tentando levar-me para o sítio onde a inércia reside.


Mas tu não tinhas medo. Quando a tua visão finalmente se habituou à sua falta de luz, pintou-se lentamente uma negra e alta parede, velha, frágil e alternadamente nua pelo estuque que dela saltou. Notavam-se, nessas zonas, os tilojos que a mantinham erguida: também eles velhos, frágeis e sem a ordinária tonalidade vermelha-viva que os caracteriza. Alguns até já eram ninho de pequenas plantas. Duas portas, uma ao lado da outra, te saltaram à vista, bem centradas na parede: ornadas de por teias-de-aranha empoeiradas, de uma cor morta que as envelhecia ainda mais: uma mais pequena que tu, outra que ultrapassava bem a tua altura. Faziam lembrar as portas de um anão e de um gigante.

Eu ia caminhando para ela, lutando contra o vento, e nenhuma parte deste me trazia nenhum tipo de ruído que me alertasse a chegada de um comboio. Então decidi não lutar com tanta ferocidade, afinal tinha tempo... Se um comboio estivesse para chegar, ouvi-lo-ia...

A parede escorria humidade, o ambiente estava frio, e tu quiseste dali sair. Sem pensar duas vezes, abriste rapidamente a porta que te dava pela cintura e começaste a tentativa de por ali fugir.


Mas a chegada de um comboio foi captada pela minha visão, e eu corri. Corri tão rápido que a minha alma quase não conseguiu acompanhar-me. O comboio arrancou, com o som grave da sua buzina. Mas eu continuei a correr, o vento já não alterava a minha velocidade, a minha alma cansou-se e deixou-me a meio, e eu corria, os cabelos entravam na minha boca e no meu nariz, incomodando-me, e eu corria, e continuei a correr sempre, até quando o comboio já não constava da minha linha de horizonte...



Porque é que insistes em passar por uma porta minúscula, se tens uma tão grande a teu lado?
E eu? Porque é que eu insisto em correr atrás de um comboio que já partiu?

domingo, 23 de maio de 2010

tom,


Nos meus caracóis ri-se a rebeldia dos teus cabelos negros. Eles riem sob sorrisos que subestimas.
Dos teus passos ritmo os meus, descompassados mas felizes. Das tuas corridas, da tua marcha lenta, te acompanharei, com a graça e simplicidade de uma criança e com a dedicação de uma maré centripta insistente.
Dizem-me que não se pode apostar num tom se não se teve a certeza como a ele se chegou, para se ir pintando aos poucos e por tentativas. Mas a rebeldia dos teus cabelos leva os meus a debruçar-se sobre o cavalinho sem medo algum de cair, nadando num tom incerto, e por isso sem temer o seu desencontro.
E pinto sem saciar, sem temer, sentimentos, sons e símbolos que conheces.


O vento dança nos meus caracóis. O vento dança em ti, rebelde. O vento leva-me na tua dança.
Hoje passearei o que ontem tentaste esconder no peito.

Fazes-me bem.

sábado, 8 de maio de 2010

gritos ocos, lugares vazios.


Lá fora, uma mulher tentava correr com saltos frágeis que a impediam. De biquinhos dos pés ia ela, imperando e compassando o seu esforço. Aguaceiros dominavam a manhã, ora ameaçando grossa precipitação, ora parando. Iludindo.
Sentei-me. E olhaste para mim com cara de quem nada entendia, fazendo-me sentir a pessoa mais incompreendida, mais estranhamente perdida em ideias sem nexo.
"Como? Diz-me como não entendes? Mentes ocas, dogmáticas, instáveis, mutáveis, limitadas, desprovidas de imaginação. Intolerância, teorias desfasadas da realidade, terminologia barata, sistemas desconectados, estas são as pessoas que me assustam! São estas que mais temo na vida. Sei que todos nós cometemos erros de julgamento que podem eventualmente ser corrigidos, desde que tenhamos em nós capacitado o reconhecimento, as coisas poderão compor-se. Agora, espíritos tacanhos e intolerantes, sem imaginação, são como parasitas que transformam o hospedeiro, mudam de forma, sobrevivem e ainda vingam. São uma causa perdida, e eu não quero vê-los aqui por perto!"
Talvez tenham sido demasiadas as palavras, talvez tenha alongado a linha de raciocínio, talvez tenhas perdido o fio à meada quando ainda nem a meio ia. Sei que continuaste exactamente com o mesmo olhar, oco, desprovido, desinteressado e neutro. Como se algo morto te tivesse dominado, tudo numa questão de segundos. Ainda uma luz me espreitou ao fundo do túnel quando me lembrei que provavelmente fosse um "black-out" introdutório da metamorfose, pensei que de seguida irias ser alvo de um despertar repentino. Mas o "black-out" persistiu demasiado, um fusível queimou algures na tua cabeça. Baixei os braços.

Não desisti. Apenas tentarei depois.

terça-feira, 27 de abril de 2010

são bolhas.

Uma criança esticava o braço, perpendicular ao vector levado pelo vento, como circulo preso num pauzinho, agarrado à sua mãozinha, encharcado de sabão.
O vento passava e bolas de sabão eram feitas, perfeitas e desfeitas, rebentadas num estalo oco, faiscante, brilhante, ao vento, sem mais modo de continuar. Bolhas fogem, dançantes no vento, para o céu, mas iludem-se na esperança de possível chegada.
O vento continua a passar, dando-lhes a esperança infinita, elas, reflectindo o sol em luz branca decomposta, em direcção ao rosto da linda criança, frágil, contente, voando entre as bolhas e aconchegando-se delas, e elas fugindo, ocas e cheias de felicidade e de orgulho de uma criança, querendo, expectante, voar com elas.
E num estalido oco rebentavam, antes de chegarem ao céu, erodindo mais e mais, meteorizando um sonho de voar, o ordinário sonho. E os olhos da criança brilhavam, voando, entre os sonhos, entre as bolhas, entre as nuvens, entre as estrelas, entre qualquer entidade que os tinha feito ir mais além, acreditando, expenctando algo da vida.
E diante tamanha luz, aproximei-me, lenta e cuidadosamente, para lhe sussurrar num registo não audível: Quando for como tu, viverei numa nuvem.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

pés no chão


fotografia: FingerTiips
em olhares.aeiou.pt/FingerTiips

Encontro o sítio ideal: planície verdejante, fresca, sem sombras.
Está um dia verde. Lindo. O sol ilumina-me a face e aquece-me, num abraço gigante, todo o corpo.
Deito-me na relva e medito. Sinto o chilrear arritmado, a confusão sonora de asinhas secas que batem umas contra outras, no desespero necessitado de voar. São aos montes. Montes de asinhas voam em torno do meu corpo, batendo e batendo, insectos e aves, frágeis, voam, tal como eu.
Sinto a relva a puxar-me num emaranhado forte e contínuo. Sinto que me puxa, tão calmamente quanto o girar deste mundo, para o centro da terra. E não tenho medo. Deixo-me ser levada, é bela a sensação de impotência desejada, é bela a projecção tal que pontua a desvalorização do corpo físico. E vou indo, mas vou ficando. A minha energia é mandada voar para o imenso infinito, mas eu não quero. Eu não necessito do infinito roxo se ele me é já tão conhecido, como a minha própria morada. Infrinjo, na potencialidade mais pura de preocupação com a necessidade própria. E fico. Deitada, no lugar do meu físico, vou sentindo o vento que me elucida à vida terrena. Vou sentindo as patas fragilmente finas dos bichinhos que me percorrem os braços, procurando o que nem eles sabem. Mas eu sei.
Quero raízes, quero vermelho, quero fogo, quero cristais, quero terra, quero instinto. Quero sentir a energia que me puxa os pés ao chão. Quero pousar-me, tocar a planície, aninhar-me numa árvore e ser a sua meditação eterna.
E quero tudo isto para um dia saber, conscientemente, todo o tempo que voei sem saber.

terça-feira, 6 de abril de 2010

asas

Emano-me no pôr-do-sol, descendente, pondo-se a teus pés.

Grande. Onde baixo as minhas asas, a teus pés, recolhendo-me nas tuas asas. Grandes!
O calor das tuas asas abraça-me, envolve-me, devolve-me o sabor a segurança do corrimão que um dia rebordou as minhas escadas. Desapareceu na vertigem inesperada na sequência das minhas quase-quedas ao centro do mundo.
Mas nas tuas asas eu voo, e no calor que me dás eu flutuo. E apenas com um sorriso subo até ao último degrau, sem corrimão mas em segurança, onde a vertigem ainda me atinge, e onde nas tuas asas me apoio.

Asas de luz.
E com asas deixo de me preocupar com a consistência do meu chão.

Porque nas tuas asas voo.
Porque das tuas asas voo.
E tenho em mim asas de ti.

quinta-feira, 25 de março de 2010

voa, voa.


Malas feitas;
Bolha tecida.
Voarei.
Voas comigo?

Esperar-te-ei.

sexta-feira, 19 de março de 2010

esfuma-te


fotografia: FingerTiips
em olhares.aeiou.pt/fingertiips


Eu nasci nalgum lugar onde se escuta o rio batendo contra o cais.

O sol recua na minha linha de horizonte, lenta e dolorosamente.
Como um rio que volta à nascente.


Esfuma-se o fumo perante tal gigante. Ele brilha.
O Sol rasga-me o céu, e o teu fumo.
Esfumas-te.
Foges.
Tentas fugir.
Mas o Sol tece-te o caminho.
Corres?
Não entendes?

Da minha janela vejo o Sol.
Vejo-te também, imperado e manipulado na urgência de fugir dele.
Na viagem contra o tempo,
no barco a favor de temporais.
Ainda corres?

Vejo a tua expressão, triste,
porque o rio na tempestade te levou ao mar
onde perdeste o pé da alma.
Onde gemes como o rio que bate contra o cais ausente.
Onde expressas a dor de leito de regresso à nascente.

Mas vejo o Sol da minha janela.
Vejo o Sol a acabar a sua rotina diurna,
e vejo-te mais uma vez fugindo dele
como fumo a favor do vento.
Não entendes?

Não corras, não fujas, não te esfumes;
Não te leves pelo vento nem por tempestades;
Minha fatalidade, do Sol respiras,
corre. Acabarás nele,
porque dele começaste.

quarta-feira, 17 de março de 2010

ó nuvem...




Vou fingir esquecer-me de tudo o que me lembro.
Talvez assim não entendas tudo o que enubla a minha visão.
Talvez assim não entendas os labirintos de que sou assombrada.
Talvez assim não entendas...

domingo, 14 de março de 2010

talvez um dia me encontre.


Sigo pela estrada. Sem passos compassados de forma rápida. Não. Calmamente.
"Foi sem mais nem menos
Que me deu para abalar sem destino nenhum"
Fujo do nada. Apenas por prazer. Vejo mundos passar, aprecio-os. Sorrio com a ironia da vida. Deleito-me com a minha paisagem: as árvores dançantes ao sabor do vento; as nuvens observadoras, desenhando o que vai dentro de mim, numa metamorfose contínua; o piso verde contrastante com a estrada alcatroada; o pássaro chilreante, que me chama pela planície dentro. E eu sigo o seu chamamento.
"Viva o espaço que me fica pela frente e não me deixa recuar
Sem paredes, sem ter portas nem janelas
Nem muros para derrubar"
Sinto a energia da Terra que me sobe até à coroa. Não sei para onde vou. Mas pelo menos vou.
Movimento cego em que tenho os olhos mais abertos do que alguma vez os tive. Jornada dormente na qual tenho os sentidos mais alerta, como nunca antes tivera.
Um cheiro novo que me invade.
"Curiosamente dou por mim pensando onde isto me vai levar
De uma forma ou de outra há-de haver uma hora de vontade de parar
Só que à frente o bailado do calor vai-me arrastando para o vazio
E com o ar na cara, vou sentindo desafios que nunca ninguém sentiu"
Não sei para onde vou nem para o que vou.
Mas esta é a parte boa da vida.


"Talvez um dia me encontre.
Assim talvez me encontre"
(125 Azul - Trovante)

sábado, 13 de março de 2010

avô


Nasci num cais.
Num cais longo e velho, imperfeito e frágil.
Nasci num cais, vivi de pesca. Vivi a pesca.
Nasci num cais sobre águas tumultuosas, águas de penumbra, águas medonhas e com toda a força da natureza.
Nasci num cais que me ensinou a ir pela maré e nunca contra ela.

Esse cais
mostrou-me as coisas mais belas da natureza,
mostrou-me o sentido mais controverso da vida,
mostrou-me que não vale a pena remar contra a maré.
Pois mesmo que reme,
o meu cais tem postes fixos em lodo,
postes fixos onde nada é fixo, mas que fixos estão.

Esse cais
ensinou-me que todos nós nascemos nesse lodo
estagnado,
que os dormentes lá fazem a sua cama,
e que a luz pode transformar o mais dormente
numa bela flor de lótus.

Nasci num cais
que é meu pai,
minha sabedoria,
meu interesse,
meu amor pela vida.

sexta-feira, 12 de março de 2010

chuva


"Agora
que a chuva cai devagar
Lá fora
E a noite vem devorar
O sol
E tudo fica em silêncio
Na rua,
E ao fundo
Ouve-se o mar"


Gotas atingem o meu corpo engrupado. Imagino que a minha imagem, ao longe, sem divergência de cores, seja semelhante a uma bola em perfeito equilíbrio com a superfície onde se encontra. Percebo e aceito que o sentido empírico muitas vezes controle os ideais de personagens. Mas o que eles não captam é toda esta falta de equilíbrio, todo este colapso em choques arritmados que se encontra no centro do meu ser.

Gotas caem, e eu incomodo-me com a imagem de serenidade equilibrada que possa estar a transparecer. Levanto-me. E sinto as gotas bater-me, como crianças ao conhecimento do som de cada tecla do piano. Da mais grave, à mais aguda.


E a chuva cai.
E eu sou seu amparo.


E a chuva cai.
E eu sou o pior amparo que alguém poderia arranjar por hoje.


Olho para cima, em movimento vertiginoso, e vejo-as. Tantas. Atingem-me os olhos, a boca, o nariz, seguindo, maquinalmente, a sua corrida em direcção ao equilíbrio com o seu cenário.
Tudo corre em direcção do equilíbrio.
Nunca ninguém me ensinou a fazê-lo.
Abro os meus braços, pesados já pela camisola encharcada, e distanciando-os do tronco, com as palmas das mãos direccionadas aos céus. À chuva.
A sensação vertiginosa transformou-se, sendo o resultado desta metamorfose um alegre formigueiro, um cheiro a algo único, a cor de tesouro descoberto e um doce sorriso fechado. Fecho os olhos. Sinto as folhas da minha árvore voarem. Sinto um abrigo que me protege. À chuva. E a minha tristeza passa a ser camuflada; o meu colapso acabou submerso, causando apenas o tsunami pelo qual já tinha sido interpelada.
E ao fundo, ouço o mar que me deu à costa.



"Agora
Que a água inunda os teus olhos
E o mundo
Já não te deixa parar
No escuro
Voltam histórias perdidas
Na alma
Onde não podes tocar
E ao fundo
Ouve-se o mar"
(Ouve-se o mar - Mafalda Veiga)

quarta-feira, 10 de março de 2010

eco de silêncio




Sou como folha

que cai e renasce.

Silenciosa,

Prudente.





Não sabes de mim.
Não conheces o pó
dos meus degraus;
Não conheces as cores
com que vejo.

E é por isto que não conheces a pressão das tuas palavras.
E esqueces-te
Que eu sei voar.

Voo como folha
Caio do cume da árvore
que me empurra.
Sem medo,
sem prudência,
mas em silêncio.

Grito debaixo do tapete,
palavras de uma cor que não vês.
Assim, sou vazio;
assim, apenas irás ouvir
o meu eco, no silêncio.

Acompanhar-te-à sempre,
Essa dormência que incomoda
Gritará palavras que não ouves
De cores invisíveis...
O eco de silêncio.