sábado, 26 de novembro de 2011

encontros

Sabemos a cor do grito e a matéria de que somos feitos.
Sonhamos a  alternativa, vivendo a realidade. Conhecemos o nosso semelhante em circunstância instantânea, ou por intermédio de, no máximo, cinco olhares.
Um bastou-me para que conseguisse desenhar a silhueta que és em sombra por todo o meu percurso de vivências.
Acabamos por  ser o somatório de tentativas e experiências várias.
Não percebemos porque estamos no momento. Encerramos gerações perdidas no tempo, e somos o próprio tempo na história que tomará o seu lugar.
Cruzamo-nos em vida.
Encontramo-nos na memória.
A vida não é uma curta metragem sem retorno que empreendemos juntos. Nem nunca seremos sorteados em vida: nascemos e morremos num só corpo.
Perdidos no trajecto, ou achados, partilhamos a nossa luz interior com a humanidade. Porque o melhor que levamos do mundo é... os outros.
Nós. E os demais iguais a nós. Embora me destrua, eu sou sempre eu. Não caio em intervalos apáticos de renega, isso seria entregar-me ao vazio.
Não sei ser eu senão em constante auto-destruição.
But i know you'll always be there to... "fix me".

"Dói-me a cabeça e o Universo." F. Pessoa

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

desencontro

Gostava tanto
que gostasses de mim.
Agora.


"It was dark and I was over,
Until you kissed my lips and you saved me,
 My hands, they were strong, but my knees were far too weak,
 To stand in your arms without falling to your feet"
Adele - Set fire to the Rain


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

fala-me barato


Espero das tuas palavras significados que não vêm. Brisas quentes que o vento não traz. Esperei doutrem, um dia, ventos que nada trouxeram.
É outono. As folhas deslizam ao sabor do seu próprio destino. E eu fico, sentada, inérte, na desfolhada. De braços caidos. De folhas caídas.

Por isso procuro alguém que me fale as palavras que eu quero ouvir. Esse alguém que não és tu, que nunca irás ser. Alguém que me aqueça com um abraço falso e expulse este frio. Alguém que me diga o que diz aos sete ventos, o que diz a todas as almas perdidas, mas que é, efectivamente, o que eu preciso de ouvir neste momento.

Fala-me barato. Diz-me coisas que não sentes. Grita-me palavras que assassinas, desprezando-as até no seu mais remoto significado. Banaliza o mundo, banaliza o amor, banaliza! Banaliza tudo em mim, tudo o que sou, todo e qualquer valor que possa ter, toda a capacidade especial que possa ter. Banaliza. Porque o mundo a teus olhos é uma planície bidimensional a preto e branco, sem qualquer paisagem. E eu sei.
Mas esta sede de palavras afoga-me e sufoca-me e mata-te, aos poucos, por dentro.
E é a ti que te quero neste momento. Porque o que valia já não vale...apenas tu, vazia sombra, vales neste momento. E são as tuas palavras vãs que me vão salvar desta apneia.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

tired

Numa rua vazia caminho em passadas largas, como levada na corrente de pessoas à hora de ponta.
Mas o vazio é o meu único acompanhante.
Não tenho nenhum compromisso, nem ninguém a quem ligar.
Sou eu, e o vazio que na rua me acompanha a passadas aceleradas que me levaram a perder-me, já há um tempo. Sem uma única vez ter dado uma em direcção à minha procura.
Deixo-me pelo caminho, sinto apatia quanto a esse facto.

Por acidente, tropeço em alguém, na minha passada longa. Conhecemo-nos, faz-me abrandar, pensar que seria melhor encontrar o que perdi e voltar a casa. À minha própria casa.
Conversamos horas, dias, semanas, sobre tudo o que poderia ser falado. E a meio do meu discurso leva-me ver ao fundo, numa luz ofuscante, um desejo desfasado de me procurar. A mim, a quem um dia eu fui.
Um dia olho fixamente nos seus olhos, de tal modo que, pela expressão, deve incomodar.
E, passado umas horas, faço-lhe companhia à estação, espero que entre no comboio. Vejo acenar, enquanto o comboio avança em direcção ao seu futuro. Num gesto inconsciente, a minha cabeça anui.
Não conseguia aproximar-me, algo me fazia sentir constantemente à beira de uma ravina. Algo esse chamado entrega.
Voltei à rua vazia ausente de mim, onde comecei. Na inércia da qual minha cama é feita, sigo o meu ritmo nas passadas que pensei serem da correria característica da hora de ponta. Mas afinal são as minhas. Como tudo na vida, esse alguém desapareceu.

É por isto que passarei a minha vida a esconder o meu coração.
E eu não conseguirei esconder o meu coração toda a vida.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

mais vazios.

"Quanto mais existes mais a vida se baralha"



Não sou fácil de ser.
Esse é o maior problema de todos.

Gostaria de não ser de uma forma tão concentrada. Gostaria de ser menos.
O sol nasce. Eu ponho-me.
Um dia serei menos. Nesse dia serei igual à calçada que piso.
Talvez assim a felicidade apática me premeie com a sua presença.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

primeira carta.

Diz-me se sentir é estar distraído. Caio nos buracos dos caminhos de quem à minha volta vagueia, e entendo o quão diferente é o meu. Diz-me se me iludo. Diz-me se este mundo é tudo senão meu, é tudo senão deste mundo…é tudo e apenas nada.

Vou construindo muros que definem a minha estrada. Deixo de fora tudo o que magoa o coração... faço como se não existisse. Tu, estranho, entras numa realidade diferente. E que mundo é o meu? Diz-me se o meu sentir é estar distraída… e leva-te daqui. Eu não quero estragados muros, a minha realidade é a que deixo entrar… e a minha ilusão é afinal a minha distracção…

Vivo, leal, e afinal… vou perdendo vida.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

máscaras

O vazio dá muito trabalho. Pode entreter-nos à vontade uma vida inteira.

in Planície de Espelhos - Gabriel Magalhães


E cá chego. Regresso no final de mais um dia, um dia de tantos dias, um ciclo de tantos ciclos. De ciclos por demais. Regresso a quem sou.
Expirei até não sobrar uma pontada de ar e deixei o corpo tomar a forma que lhe apetecesse, descansado e curvado pela exaustão.

A lua subiu e o fantasma voltou ao meu tapete. Nos últimos tempos essa visita tem sido uma, de vez em quando, constante. Lá aparece ele, pintalgado de sombra, noutro dia, noutra forma e, num outro enxorrilho de palavras. Mas isto só de tempos a tempos... Com o tempo no tempo.

No dia em que o fantasma me visita pela primeira vez em sonhos, reconheço que está prestes a chegar o episódio principal dessa temporada...aquele no qual fico desarmada e as máscaras se atiram ao ar. Desmascaram-se personagens, e o cenário torna-se um reboliço. Actores correm, envergonhados, fugindo da identificação, para trás do pano de fundo do palco. Uns para um lado, outros que invertem o seu percurso de corrida para chegarem de uma forma mais rápida ao seu objectivo: a máscara, o pano, o refúgio de quem realmente são. Pernas formigam em cena, freneticamente. E eu consigo identificar algumas das personagens, quando as mãos que lhes cobrem a cara contam segredos entre dedos demasiados afastados. O único consolo é saber que depois disto chegam a calmaria e o silêncio que vão durar e dar início a um novo ciclo, desta vez, igual a todos os outros. Mais uma peça, mais máscaras ao ar, mais desilusão.

Hoje tentei levar o dia com o sentir da intensa visita do fantasma em sonhos que foi ontem. Do sonho que ontem tomou forma.
A cabeça doeu-me todo o dia, talvez tenha pensado demais. Mas as máscaras vestiram-se e o dia foi correndo, ou escorrendo entre os meus dedos afastados. Apesar disso o fantasma invadiu-me uma e outra vez.

Mas ao início da noite, um acordar fez surgir a lembrança que de novo este fantasma não teve cor senão a cor da ilusão, telas pintadas de vazio, que acabaram desbotando em pincel de desilusão.
Abate o cansaço, a tristeza, o sentimento, a força.

Agora, despindo as máscaras das personagens que reconheci, e apenas eu, preparo-me para o novo confronto, aguardando já a calmaria que depressa, devagar, estará à porta a chegar, depois de mais uma correria, mais um reboliço, e mais um pano de fundo do cenário.