quinta-feira, 1 de julho de 2010

hora de ponta.


Toc, toc, toc.
Ao final da tarde, as portas do comboio abrem-se. É hora de ponta, e pessoas vagueiam ordenada e intencionalmente para a correria do dia seguinte.
Passos apressados ora de saltos altos, ora de chinelos metidos em pés de gente pesada, continua, rastejando-se pelas horas vazias dos seus dias. Passos apressados a mais horas vagas, a mais horas vazias. Toc, toc, toc. E o som dos saltos impera, altivo.
E eu dou passos confiantes, num movimento consciente em todos os seus ângulos. Olho para todos os olhos que fogem dos meus, gritando a invasão do seu espaço, olho para os olhos vazios que olham sem ver. Procuro uma emoção nalgum olhar, mas todos são vazios, maquinizados pela rotina, levando as pessoas a passearem dormentemente, numa dança vã em piloto automático, com as pupilas dilatadas, de quem se penetra em estupefacientes. Mas não. São apenas olhos vazios. Toc, toc, toc.
E há sempre uma ou outra velhota encostada a uma ou outra parede da estação que sorri perante tal cenário apático. "Gosto de ver as pessoas a passar, na vida delas" como dizem. Como se troçasse das horas vagamente vagas daquelas pessoas, como se troçasse a perda de vida, como se troçasse do toc, toc, toc. Ela, de sapatilhas rasteirinhas e gastas, olhos cheios e mãos vividas, sorri perante o vazio ordinário da hora de ponta. "Gosto de ver as pessoas a passar ao lado da vida delas" querem dizer.
Procuro-a com o olhar e sorrio, e ela esmurece o sorriso, olhando-me como um intruso, como a quebra apática.
Despeço-me, anuindo ligeira e levemente. Ela segue-me com o olhar pesado.

Sem palavras vãs, são apenas dois lados do mesmo adeus.