
Noite escura. Numa divisão escura a noite estava fria, húmida, enevoada. O piso estava mole, dando a sensação pantanosa. Causava medo a quem medo dela tinha.
Uma estação vazia, no meio de nenhures, bancos vazios, silabava o silêncio, imperando sobre o grito cego do vento que me atingia, tentando levar-me para o sítio onde a inércia reside.
Mas tu não tinhas medo. Quando a tua visão finalmente se habituou à sua falta de luz, pintou-se lentamente uma negra e alta parede, velha, frágil e alternadamente nua pelo estuque que dela saltou. Notavam-se, nessas zonas, os tilojos que a mantinham erguida: também eles velhos, frágeis e sem a ordinária tonalidade vermelha-viva que os caracteriza. Alguns até já eram ninho de pequenas plantas. Duas portas, uma ao lado da outra, te saltaram à vista, bem centradas na parede: ornadas de por teias-de-aranha empoeiradas, de uma cor morta que as envelhecia ainda mais: uma mais pequena que tu, outra que ultrapassava bem a tua altura. Faziam lembrar as portas de um anão e de um gigante.
Eu ia caminhando para ela, lutando contra o vento, e nenhuma parte deste me trazia nenhum tipo de ruído que me alertasse a chegada de um comboio. Então decidi não lutar com tanta ferocidade, afinal tinha tempo... Se um comboio estivesse para chegar, ouvi-lo-ia...
A parede escorria humidade, o ambiente estava frio, e tu quiseste dali sair. Sem pensar duas vezes, abriste rapidamente a porta que te dava pela cintura e começaste a tentativa de por ali fugir.
Mas a chegada de um comboio foi captada pela minha visão, e eu corri. Corri tão rápido que a minha alma quase não conseguiu acompanhar-me. O comboio arrancou, com o som grave da sua buzina. Mas eu continuei a correr, o vento já não alterava a minha velocidade, a minha alma cansou-se e deixou-me a meio, e eu corria, os cabelos entravam na minha boca e no meu nariz, incomodando-me, e eu corria, e continuei a correr sempre, até quando o comboio já não constava da minha linha de horizonte...
Porque é que insistes em passar por uma porta minúscula, se tens uma tão grande a teu lado?
E eu? Porque é que eu insisto em correr atrás de um comboio que já partiu?