sexta-feira, 12 de março de 2010

chuva


"Agora
que a chuva cai devagar
Lá fora
E a noite vem devorar
O sol
E tudo fica em silêncio
Na rua,
E ao fundo
Ouve-se o mar"


Gotas atingem o meu corpo engrupado. Imagino que a minha imagem, ao longe, sem divergência de cores, seja semelhante a uma bola em perfeito equilíbrio com a superfície onde se encontra. Percebo e aceito que o sentido empírico muitas vezes controle os ideais de personagens. Mas o que eles não captam é toda esta falta de equilíbrio, todo este colapso em choques arritmados que se encontra no centro do meu ser.

Gotas caem, e eu incomodo-me com a imagem de serenidade equilibrada que possa estar a transparecer. Levanto-me. E sinto as gotas bater-me, como crianças ao conhecimento do som de cada tecla do piano. Da mais grave, à mais aguda.


E a chuva cai.
E eu sou seu amparo.


E a chuva cai.
E eu sou o pior amparo que alguém poderia arranjar por hoje.


Olho para cima, em movimento vertiginoso, e vejo-as. Tantas. Atingem-me os olhos, a boca, o nariz, seguindo, maquinalmente, a sua corrida em direcção ao equilíbrio com o seu cenário.
Tudo corre em direcção do equilíbrio.
Nunca ninguém me ensinou a fazê-lo.
Abro os meus braços, pesados já pela camisola encharcada, e distanciando-os do tronco, com as palmas das mãos direccionadas aos céus. À chuva.
A sensação vertiginosa transformou-se, sendo o resultado desta metamorfose um alegre formigueiro, um cheiro a algo único, a cor de tesouro descoberto e um doce sorriso fechado. Fecho os olhos. Sinto as folhas da minha árvore voarem. Sinto um abrigo que me protege. À chuva. E a minha tristeza passa a ser camuflada; o meu colapso acabou submerso, causando apenas o tsunami pelo qual já tinha sido interpelada.
E ao fundo, ouço o mar que me deu à costa.



"Agora
Que a água inunda os teus olhos
E o mundo
Já não te deixa parar
No escuro
Voltam histórias perdidas
Na alma
Onde não podes tocar
E ao fundo
Ouve-se o mar"
(Ouve-se o mar - Mafalda Veiga)

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